Velha sim, mas a identidade é nova

De um País jovem, cuja idade média dos brasileiros era de 29 anos há 15 anos, hoje temos uma média de 35 anos

Indo com Rita assistir ao filme A Substância, logo percebemos que a razão de estarmos ali, era por causa da mídia que enfocou o filme sobre a velhice e a ditadura da eterna juventude para mulheres mais velhas. Rita advertiu: “o Brasil está envelhecendo”. De um País jovem, cuja idade média dos brasileiros era de 29 anos há 15 anos, hoje temos uma média de 35 anos (Fonte: IBGE). Então o Brasil já é um país adulto! E de certa forma, envelhecido.

Concordei, pois sem se importar com a maturidade e a velhice, que se achega de forma ininterrupta, o País ainda não se estruturou para esse envelhecimento. “Precisa de uma nova identidade,” eu disse e Rita concordou: “Sim, se essa nova identidade para o País e para os idosos não for estabelecida e universalmente reconhecida, essa leva de idosos que em 1940 tinha expectativa de vida de 45 anos, e em 2020 subiu para 76,8 (Fonte: IBGE) continuará invisibilizada. Muitos ainda vêm essa geração apenas como os quem têm prioridade nas filas e que atrasam a vida social e familiar dos outros”

Esse preconceito contra os idosos, o etarismo, está enraizado e urge que comecemos a construir uma identidade sólida para a velhice brasileira.

Falei: “Rita, percebi a chegada da velhice como uma pancada: uma apresentação abrupta à finitude. Não tão clara nem de horizonte tão definido como o da cor esmeralda do nosso mar.”

Rita respondeu: “Para mim, não está claro também, mas já sinto dificuldades para atividades antes normais” Falei: “Sua hora chegará”. Eu decodifiquei para mim boa parte da vida que desaguou nessa nova identidade: declarei-me livre, dona do meu nariz, portadora de doenças crônicas, câncer e vícios nocivos à vida, mas controlados.

Ainda estou saudável, andarilha assumida, apaixonada por leitura e escrita, fascinada por palavras em si, namoradeira, apreciadora de uma culinária que não vi em nenhum programa de MasterChef: sem condimentos, mas bem nutritiva e saborosa. Praticante assídua do autocuidado. “Fui moldada para ser velha! Portanto, estou com identidade nova, dear Rita!”

Ela perguntou: “Mas nada sobrou do passado?”

Falei: “Sim! Carrego a formação de uma vida e sua essência: de criança aventureira à adolescente confusa sobre sexualidade. De adulta com maternidade e trabalho árduos, enfrentando perdas e conquistas. Escalando muitas pedras no caminho – das de Drummond. Acima de tudo, fui médica, cuidando bem de vidas com grande
empenho e emoção”

Dia desses, ao reler Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (1956), encontrei esta fala “bem atual” de Riobaldo: “Mais importante e bonito do que tudo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando.” “E com identidade nova, né?”

Ela respondeu: “Êita, o filme vai começar!”


Edição Impressa
Publicado 01:00 | nov. 3, 2024 Tipo Notícia (Ciência e Saúde)

Fonte: https://mais.opovo.com.br/jornal/ciencia-e-saude/2024/09/22/corpo-velho-numa-vida-livre.html

Dra. Márcia Alcântara Holanda
Médica Pneumologista e escritora.
Coordenadora do Programa de Reabilitação Pulmonar do Pulmocenter (PRPP)
pulmocentermar@gmail.com

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Márcia Alcântara Holanda: “Asma, morte zero em 2021”

O Dia Mundial da Asma foi comemorado no último 2 de maio de 2017 e celebrado com grande entusiasmo pelos asmáticos de Fortaleza e pelo time de profissionais de saúde da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) em parceria com a Sociedade Cearense de Pneumologia e Cirurgia Torácica (SCPCT).

A razão de tanto entusiasmo foi o desempenho técnico e tático desse time composto por pessoas de múltiplas profissões, que de 2013 a 2016 venceu em 59% e 47% as partidas contra os adversários maiores dos asmáticos: as crises mortais e as que geram grande sofrimento e internações (DataSUS-2016). Vale salientar que é o Programa de Atenção Integral à Criança e Adulto com Asma de Fortaleza (Proaica), que norteia a desenvoltura do time. Esse programa foi criado em 1996 por médicos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (FM-UFC) e da então Sociedade Cearense de Pneumologia e Tisiologia(SCPT), porém somente em 2013 foi que recebeu algum apoio institucional. Mas ainda não está institucionalizado.

Essa resistência de tantos anos, por parte das instituições ao Proaica, aconteceu provavelmente porque é revolucionário, inovador, não burocratizado, de baixíssimo custo e com necessidades extras mínimas para o seu pleno funcionamento. Um tripé poderoso sustenta o Proaica: 1) A disseminação do conhecimento e habilidades no manejo da asma, a partir de capacitações no mais elevado estilo participativo. O Proaica capacitou, nesse intervalo de três anos em que se tem controlado a doença, 2.800 profissionais de saúde; 2) Disponibilidade das melhores medicações, específicas para o controle das crises: são as bombinhas, de fácil manejo e grande poder de controle, já comprovados e seguros quanto ao seu uso; 3) Ampla e plena comunicação entre os profissionais envolvidos com o programa. Acrescente-se a esses sustentáculos: a adoção do prontuário eletrônico que já inclui os asmáticos matriculados no Proaica; a intensa interação tecnológica entre seus componentes, utilizando amplamente as redes sociais e a adoção da pré e pós-consulta que reforçam em muito a relação dos pacientes com os profissionais que os atende.

Essa última aumenta muito a confiança dos beneficiados e a capacidade para domínio de sua própria doença por meio da maior adesão às medidas de controle. Vale lembrar, entretanto, que a asma não tem cura; portanto, é uma doença crônica, mas tem controle absoluto. Pelo exposto, estabeleceu-se uma meta idealizada pelo time do Proaica, que é manter e intensificar esse embate contra mortes e internações por asma na tentativa de alcançar o ideal: asma, morte zero em 2021.

DraMarciaDra. Márcia Alcantara Holanda
Médica pneumologista; coordenadora do Pulmocenter; membro da Academia Cearense de Medicina
Coordenadora da Comissão de Asma da SCPT
pulmocentermar@gmail.com

Fonte: O povo

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Márcia Alcântara: “Minha amiga virou um polegar”

Isto é uma ficção com base num fenômeno real: minha amiga Susana (nome fictício) é uma grande executiva que trabalha dez horas por dia. Produz muito, mas sempre arranja um tempinho para uma prosa que levamos com frequência. De uns tempos para cá, com a revolução causada pelo “WhatsApp” e outros modos eletrônicos de comunicação rápida, simbólicos e fáceis somente digitando sem sair da cadeira ou da cama, Susana disparou a comunicar-se desenfreadamente.

Mandou ver num pacote de “emoticons” – segundo ela, são milhares deles disponíveis, que servem para substituir toda sorte de ideia, de sentimentos, ações, pensamentos ou o que se imaginar, sem verbalizar nada. Há carinhas redondas para representar tudo isso. Para que escrever se hoje estou triste se existe uma carinha redonda com os cantos da boca para baixo, olhos inclinados na diagonal, também para baixo, sobrancelhas caídas e às vezes uma lágrima caindo do olho? Perguntava ela enquanto eu dizia que essas figuras eram estáticas, padronizadas, impessoais e não expressavam nosso eu real.

Tudo pode se expressar por “emoticons”, afirmava ela. Quase um ano depois dessa “febre da comunicação”, percebi que aquela imagem bonita, de rosto ovalado, expressões faciais puras, dedos finos e que Susana exibia naturalmente havia sumido da minha mente. Em vez daquela autenticidade, o que aparecia para mim era uma mão roliça de polegar boleado, apontando para cima quando ela dizia que estava tudo bem, para baixo se as coisas estivessem dando diferente do desejado e por aí ia. Esse polegar virou a cara dela!

Procurei saber a razão desse fenômeno acachapante e, depois de muito estudar e pesquisar, encontrei que: no nosso cérebro ocorre constantemente um processo de aprendizado e de memorização de fatos e coisas, que também podem mudar continuadamente de acordo com os estímulos ambientais. As conexões dos nossos neurônios podem se fortalecer e se multiplicar para estabelecer novas conexões e até novos neurônios podem surgir: é a neuroplasticidade do cérebro. Isso ocorre conforme tais estímulos. (Tracy J. Shors: Scientific American, 2009; Brain Plasticity: Neuroscience News, 2, 2017.)

Atribuo que a substituição dos textos, das palavras e das imagens reais de Susana pelos “emoticons” possa ter sido influenciado pela neuroplasticidade dos meus neurônios, de tanto ver “emoticons”, em vez de ver Susana…

Ainda bem que tudo pode ser revertido: retornamos à nossa prosa, reduzimos a comunicação por “emoticons” e às imagens. As falas e as escritas sobre Susana voltaram ao normal na minha mente – para alívio nosso.

DraMarciaDra. Márcia Alcantara Holanda
Médica pneumologista; coordenadora do Pulmocenter; membro da Academia Cearense de Medicina
Coordenadora da Comissão de Asma da SCPT
pulmocentermar@gmail.com

Fonte: O povo

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