Daquilo que não tem cura

Para entender a trajetória de Márcia Alcântara na esfera literária é preciso que se retorne aos idos de 1980, mais precisamente a um dos leitos do Hospital de Messejana. “Um paciente apareceu a mim com um grave problema pulmonar. Uma vez constatado esse problema, verificamos que o tipo de doença era diferente do que a gente costumava tratar: não era câncer, não era nada parecido… Foi quando um exame de Raio-X mostrou que havia lesão nos dois pulmões que tomava o espaço total de ambos”, relembra a médica, especializada em pneumologia.

O paciente – “jovem, cerca de 40 anos e vindo da Serra da Ibiapaba” – após uma investigação mais aprofundada, foi diagnosticado com silicose. “Lembrava a silicose, que é uma doença determinada pela inalação de partículas de sílica, um componente da poeira das pedras quebradas. O curioso é que não tínhamos um caso registrado ainda no Ceará; sabíamos que existia no Sul, pois é típica dos mineiros. Passamos a investigar mais a fundo porque ele disse que era agricultor”, afirma ela, que após um período de dez anos entre pesquisas e levantamentos, aliou sua experiência profissional a um sonho igualmente antigo.

“Eu tinha em mente escrever um dia alguma coisa sobre isso. Há quatro anos, havia escrito umas dez páginas, mas não consegui avançar. Mas a história já estava toda na minha cabeça, só não conseguia colocá-la no papel. Foi quando fiz o curso de Escrita Criativa com a Socorro Acioli, aí ganhou corpo porque ela mesma me disse: ‘Só você pode contar a história que você sabe’. Outros disseram que eu deveria parar de chorar e escrever, enfim… Sabe o que aconteceu? Houve uma quebra muito forte do estado de medo. Em três meses, ficou pronto”, conta. O resultado encontra-se em Poço, livro de estreia de Márcia Alcântara, que será lançado hoje, 10, na Livraria Cultura.

Em 198 páginas, Márcia Alcântara transportou para a narrativa de um romance a história de pessoas envolvidas com a doença (diagnosticada, posteriormente, na cidade de Tianguá e em outras quatro cidades da região), que até hoje – por mais avanços, pesquisas e prevenções – não existe cura, mas foi controlada desde os anos 2000. “O que eu fiz foi romancear essa história, que é muito forte. Quando terminei, passei por duas revisões e acabei reescrevendo o livro. Mas fiquei tranquila porque não sou escritora, sou uma escrivinhadora”, explica. Em Poço, dois são os protagonistas: Joel e a doutora Sara, esta uma espécie de alterego da autora.

Poço apresenta ao leitor as diferentes dimensões vivenciadas nas memórias e no encontro entre dois personagens. Aquele que sofre de silicose, doença ocupacional que adquiriu de tanto inalar poeira na atividade de cavar poços artesanais no sertão seco do semiárido nordestino, ela, a sua pneumologista. (…) O leitor é convidado a acompanhar a saga dos dois na luta pelo controle e prevenção da doença entre centenas de jovens cavadores, que até a descoberta original da mesma, viviam sob o risco constante de vida, num processo lento, asfixiante e desassistido, ainda na flor da idade”, escreve na orelha do livro Marcelo Alcântara Holanda, médico filho de Márcia.

Impulsionada pela estreia na literatura, Márcia já tem ideias para uma nova publicação. “O próximo será sobre um octogenário em Nova York. Esse curso, assim como revisões inclusive do Geraldo Jesuíno (professor da UFC), me deu uma autonomia fenomenal na arte de colocar as palavras. Como estou com 76 anos, estou achando isso tudo muito interessante, não é só ficar saracoteando. Estou adorando essa idade, a gente se sente mais livre, rende no trabalho que é uma doidice! Além disso, tenho esses padrinhos e madrinhas e, graças às experiências deles, estou aqui”, conclui.

Lançamento do livro Poço, de Márcia Alcântara
Quando: hoje, 10, às 19h30min
Onde: Livraria Cultura (av. Dom Luís, 1010 – Aldeota)
Preço médio: R$ 35

Fonte: O povo

 

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Lançamento do livro Farol – coletânea de contos

E se a única imagem que eu tivesse da minha melhor amiga fosse a de um polegar apontado para cima? O fenômeno científico chamado “plastificação dos neurônios” serviu de inspiração ao conto “Minha amiga virou um polegar”, de Márcia Alcântara Holanda.

Márcia Alcântara tem 76 anos, nasceu em Fortaleza e é médica pneumologista, agraciada pelo maior prêmio da Pneumologia Brasileira no ano 2000. Seu conto “Minha amiga virou um polegar” e os escritos de outros 28 autores integram o “Farol”, coletânea produzida pelo Ateliê de Narrativas Socorro Acioli.

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