O corpo envelhecido também é conhecimento e liberdade
Domingo passado, Rita ligou dizendo que sentiu a pancada da velhice. Teve uma crise grave de hipertensão arterial (HSA), foi internada e recebeu alta no dia seguinte com prescrição de medicação de uso contínuo e recomendação de mudança no estilo de vida. Uma mina explosiva estava instalada em seu sistema arterial e ameaçou detonar, quem sabe, no cérebro, levando-a a paralisias corporais.
Combinamos caminhar na Beira Mar para hablar sobre isso. Logo falei:
“Rita, no envelhecimento, a vida pode seguir tranquila, mas com cautela. Afinal, podemos tropeçar e cair, pois o equilíbrio já está minado pela idade. Às vezes, falta memória até para achar os óculos que já estão no rosto.”
Rita respondeu:
“É o corpo que desvela a velhice, não é?” — citando a frase célebre de Simone de Beauvoir, no livro A Velhice.
“Sim,” disse eu. “São dezenas de espécies de minas explosivas e destrutivas que, de um momento para outro, se instalam nos sistemas corporais ao longo da vida. Elas vão da hipertensão ao diabetes, das doenças cardíacas às demências. As defesas se arrastam em câmara lenta para controlar, por exemplo, uma simples infecção viral, que pode detonar uma ‘mina’ de infecção grave, às vezes levando-nos à morte, como na COVID-19.”
Na juventude, o corpo é quase infalível. Na velhice, porém, nossas escolhas — os momentos de alegria, felicidade, tristeza extrema e infelicidade — armam as tais minas de alto poder explosivo, como a HSA. Cada sensação deixa sua marca. Entre bons e maus eventos, há “minas” plantadas no solo das nossas vidas, muitas vezes por nós mesmos, pela sociedade consumista ou, simplesmente, pelo desgaste natural das células com o envelhecimento. Quase todas — do desequilíbrio que leva à queda até uma demência — podem ser desativadas. Um exemplo? O controle da asma, possível com drogas específicas ou apenas com a eliminação de irritantes inalatórios ambientais (Global Initiative for Asthma, GINA 2023).
Rita, efusiva, disse:
“Dear, nem tudo é esforço e sofrimento. O corpo envelhecido também é conhecimento e liberdade. A liberdade radical de Sartre nos dá a maior chance de viver como queremos, gostamos e podemos. Nossa escolha é absoluta. Cabe-nos fazê-las com estilo e autocuidado! O corpo nos ensina a respeitar limites, a valorizar momentos simples, como a brisa no rosto que vem desse mar, ou o esplendor de uma conquista, por menor que seja. O risco sempre estará presente, mas basta reconhecê-lo e controlá-lo.”
Riobaldo já advertia:
“Viver é muito perigoso” (Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa, 1956). É maravilhoso!
Encerramos a caminhada. Rita então perguntou:
“Bora tomar uma cervejinha?”
E eu respondi:
“Mulher, uma deliciosa, supergelada cervejinha sem álcool vai bem para brindarmos à nossa velhice!”
Chegando em casa, veio o banho relaxante, seguido de uma sopa nutritiva e um pãozinho fresco. Tudo isso com um olhar atento por onde pisar, desviando-nos das nossas “minas explosivas”.
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Publicado 01:00 | dez. 1, 2024 Tipo Notícia (Ciência e Saúde)
Fonte: https://mais.opovo.com.br/jornal/ciencia-e-saude/2024/12/01/o-campo-minado-da-nossa-velhice.html
Dra. Márcia Alcântara Holanda
Médica Pneumologista e escritora.
Coordenadora do Programa de Reabilitação Pulmonar do Pulmocenter (PRPP)
pulmocentermar@gmail.com