Os noticiários da noite de 20/1 foram aterradores quando apresentaram os dados do crescimento exponencial, entre nós, brasileiros, da frequência de nascimentos de crianças com microcefalia.
Custei a dormir imaginando uma geração de conterrâneos microcefálicos, deficientes para o autocuidado e para a vida. Sonhei que os governantes de minha cidade leram: “Aedes aegypti Control Strategies in Brazil (Insect 2015)”, a entrevista da dra. Margareth Capurro na Época de 29/12/2015, as Opiniões no O POVO de 12/2015, todos mostrando evidências, que o controle epidemiológico do Aedes depende de uma intensa ação conjunta de todas as instituições públicas, privadas e de pessoas. Disseram em cadeia de rádio e TV: “Vamos acabar com as chances de esse mosquito nos matar ou nos fazer incapacitados para o resto de nossas vidas”.
Juntaram-se prefeito e governador com seus secretários, discutiram os artigos citados e outros mais. Ouviram o povo e organizaram um seminário com técnicos altamente conhecedores das manhas e artimanhas dos insetos, chamaram representantes das Igrejas, coordenadores de associações comunitárias, diretores de colégios e universidades, comandantes das forças da segurança pública, presidentes das grandes associações empresariais, comunicadores de massa e desenharam uma estratégia chamada de “Brigada Maior Contra o Aedes” (BMCA).
No dia seguinte, os panfletos já eram distribuídos na missa das seis da manhã da minha paróquia e o padre, no meio do Evangelho, agitou o panfleto no ar e perguntou aos fiéis: “Vocês hoje verificaram nas suas casas se tem algum desses acumuladores de água que criam mosquitos? Se não, peço, em nome de Deus, que verifiquem e os destruam, porque certamente estarão cuidando de si e do próximo e sendo abençoados”.
Na Igreja Evangélica do Centro da Cidade, o pastor plantou-se na porta, distribuiu os panfletos e, no meio da pregação, com muita veemência o agitou no ar gritando: “Cuidem de dar fim aos acumuladores de água e criadouros dos mosquitos e vocês não terão filhos com microcefalia, amém, amém!” A diretora do colégio vizinho de casa amanheceu indo até os carros que desembarcavam as crianças, entregando os panfletos aos pais delas.
As crianças de todos os colégios chegaram em casa com seus panfletos, procurando e destruindo os locais onde poderiam estar os mosquitos. Essa estratégia usava panfletos e discursos com palavras-chave uniformes e imagens simples de criadouros, do ciclo epidemiológico do mosquito e sua interrupção.
O síndico do meu prédio criou um grupo no WhatsApp chamado de “BMCA – Edifício The Hope” e assim o fez cada condomínio, de cada quarteirão de cada bairro. Mensagens de bom dia e boa noite eram belíssimas, todas intencionando eliminar o mosquito. O prefeito saiu em caminhada como nas campanhas eleitorais que pediam voto e, em vez disso, distribuiu panfletos, ganhando aplausos e gritos de viva da população.
“Acabamos com o mosquito!!!” Gritavam todos num show com Ivete Sangalo, cuja apoteose exaltava o controle da microcefalia e do Aedes na nossa Cidade. Acordei.
Dra. Márcia Alcantara Holanda
Médica Pneumologista
Coordenadora da Comissão de Asma da SCPT
pulmocentermar@gmail.com
27 janeiro de 2016 – Fonte: O povo